DAlila Teles Veras

Palestras e Debates

 Revistas Literárias

Não por acaso, aconteceu recentemente na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo o encontro "O Veículo da Poesia: reunião de periódicos literários", do qual participaram editores de 40 revistas de cultura, do país e do exterior, incluindo A Cigarra. Ao contrário do que o título sugere, essas publicações não se limitam à publicação de poesia e a preocupação de seus responsáveis foi levantar possíveis pontos em comum entre elas, tendo em vista todas pertencerem a países da América Latina, América do Norte e da Península Ibérica, com os quais o Brasil vem estabelecendo vínculos políticos, econômicos, lingüísticos e culturais, cada vez mais crescentes. Aprofundar e descobrir maneiras de intensificar o intercâmbio entre si, foi uma das preocupações dos organizadores do encontro, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e patrocinado pela Universidade de São Paulo e Revista Cult.

Na verdade, desde o século passado, no Brasil e no resto do mundo, as revistas literárias representaram e, como se vê, representam, um importante papel na difusão da literatura, chegando mesmo a se constituírem no seu mais eficaz veículo. Foram elas que anunciaram todos os principais movimentos literários da modernidade, os manifestos e as novas tendências, como verdadeiros toques de despertar. O velho escutador de estrelas, Olavo Bilac já sabia disso, quando, há cerca de um século, afirmou: "o jornalismo literário é mesmo o único meio do escritor se fazer ler – porque o livro ainda não é coisa que se compre no Brasil como uma necessidade". Mudou alguma coisa?

O bibliófilo Plinio Doyle, no precioso trabalho História de Revistas e Jornais Literários, registra em minuciosos detalhes, treze das mais importantes revistas literárias brasileiras, abrangendo um século (1936 a 1946). Cinco delas publicadas no século passado e oito na primeira metade de nosso século. A Nitheroy, Revista Brasiliense, de Sciencias, Letras, e Artes, de 1836, aparece nesse volume, onde as revistas seguem uma ordem cronológica de publicação, como a primeira delas. Na verdade, Doyle deixa de registrar duas outras que foram publicadas antes (Variedades – ou Ensaios de Literatura (Bahia, 1812 ) e Revista da Sociedade Filomática (SP, 1833), ambas de breve e regional existência e que, conforme alguns, não introduziram elementos renovadores dentro do panorama literário de sua época. Já a Nitheroy, apesar de igual efemeridade (2 números, editados em Paris) foi, no entender de Jacinto Coelho do Prado, o primeiro periódico a ter importância para a literatura e que, de acordo com Massaud Moisés e José Paulo Paes, contribuiu, principalmente, com a introdução das idéias românticas no Brasil.

As outras quatro publicações do século XIX registradas por Doyle são: A Nova Revista, (1896, RJ), Revista Sul-Americana (1889, RJ), Gazeta Literária (1884, RJ) e Revista da Sociedade Fênix Literária, 1878, RJ.

Jacinto Coelho do Prado - num amplo verbete dedicado às revistas - em seu Dicionário das Literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira, registra outras importantes revistas do século XIX e início deste, como Revista Brasileira (RJ,1857-60), que na sua 2ª fase (1879-81) foi dirigida por Machado de Assis, A Cigarra e A Bruxa, de tendência realista, (RJ,1895-96), dirigida por Olavo Bilac); Revista da Semana (1885-95) onde colaborou Medeiros e Albuquerque, o nosso primeiro crítico do Simbolismo; a Ilustração Brasileira (1901), editada em Paris, e que a partir de 1915 reflete o ecletismo literário nas múltiplas tendências estéticas de Olavo Bilac, Paulo Barreto, Manuel Bonfim, Júlia Lopes de Almeida e Medeiros de Albuquerque. Já no comecinho deste século, também merecem destaque a Kosmos (RJ,1904-06), uma revolução em matéria de apresentação gráfica, na qual colaboraram Euclides da Cunha, Capistrano de Abreu, José Verissimo, João do Rio e Coelho Neto e outra, estritamente literária, Os Anais (1904-06), que também publicou autores portugueses como Eça, Ortigão, Camilo e Oliveira Martins. Fon-Fon (1907, já com idéias Simbolistas) e Floreal (1907 – onde Lima Barreto se insurgia contra as "Igrejas Literárias" da época, também são dignas de nota.

O Simbolismo teve suas idéias difundidas através de algumas revistas que o Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira registra. Curiosamente, três das mais importantes, são fora do eixo Rio-S.Paulo: O Cenáculo, Galáxia e Pallium, todas de Curitiba.

REVISTAS DO MODERNISMO

O movimento modernista teve nas revistas o seu grande canal, veiculando não só as suas idéias, mas toda e qualquer produção literária que estivesse afinada com a sua estética. Haja vista que, somente no período de 1922 a 1935, das muitas revistas publicadas, pelo menos sete delas podem ser consideradas de relevância, nas quais colaboraram os principais nomes da literatura da época e que são relacionados por Plinio Doyle em seu trabalho:

  • KLAXON, Mensário de Arte Moderna, SP, 9 números, em 8 fascículos, 1922/23, foi o primeiro veículo oficial do nosso Modernismo. Não há indicação de diretor ou responsável pela revista mas, de acordo com Joaquim Inojosa, em informação pessoal a Plinio Doyle, o homem-chave da revista era Rubens Borba de Morais, que tudo fazia, cuidando desde a parte burocrática à articulação. Ao contrário do que muitos imaginam, não foi o badaladíssimo Oswald de Andrade a figura de proa da revista. Escritores como Guilherme de Almeida (era no escritório de seu irmão que o grupo se reunia, sendo ele, inclusive, o criador do projeto tipográfico da capa). Guilherme, no entanto, acabou sendo rejeitado como modernista (injustamente, diga-se, e em muitos aspectos) pelos críticos e historiadores do próprio Modernismo. Outros, como Menotti Del Pichia e Ribeiro Couto, cumpriram papéis fundamentais na difusão das idéias e na própria sustentação da revista. Mário de Andrade, apesar de pouco preocupado com as questões burocráticas da revista, entupia-a de colaborações, jogando em todas as posições, como poeta, crítico de música e de literatura, ensaísta e cronista. Múltiplo, assinava sob diversos pseudônimos (G. de N., J. H. de Al., J. M., J. A, R.., R. de M. e V. L.).
  • ESTÉTICA, RJ, 3 números, 1924/25, dirigida por Prudente de Morais, neto, e Sérgio Buarque de Holanda. continuadora de Klaxon e, de acordo com o próprio Prudente de Morais, neto, "foi o primeiro esforço relativamente bem sucedido de transformar o movimento modernista, fazendo-o passar do período polêmico ao de afirmação construtiva" (...) "Foi o primeiro órgão de expressão do movimento modernista que empreendeu a sua crítica, com liberdade. Por isto mesmo provocou dissensões e a conseqüente dispersão do grupo". Confessou, posteriormente, que a revista não foi adiante por falta de recursos e que era ele e o Sérgio que faziam tudo, desde as brigas com o tipógrafo, a revisão, distribuir nas livrarias, embrulhar e remeter aos assinantes.
  • A REVISTA, Belo Horizonte, MG, 3 números, 1925/26, sob a direção de Martins de Almeida e de Carlos Drummond de Andrade. A revista marca, sobretudo, o início da projeção do Modernismo para além do eixo Rio-São Paulo. Mineiros sabidos, contaram nos três números com 36 anúncios, 1 de página dupla e 13 de página inteira. Mesmo assim, confessou Drummond, que a revista não foi adiante por falta de fôlego financeiro.
  • FESTA, Revista de Arte e Pensamento (RJ, 22 números em 2 fases, 1927/29 e 1934/35, dirigida por Tasso da Silveira, Andrade Murici e o chamado "Grupo de Festa"). As primeiras reuniões para a publicação de Festa foram realizadas na casa de Cecília Meireles, no Morro de São Carlos. Ali colaborou um enorme e significativo número de escritores, como a própria Cecília, Adelino Guimarães, Tasso da Silveira, Abgar Renault, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Afrânio Coutinho, entre muitos.
  • VERDE – Revista de Arte e Cultura, Cataguases, MG, 6 números, 1927/28 e 1929, editada pelo Grupo Verde de Cataguases, teve repercussão nacional a despeito de ser publicada no interior de Minas. Foi elogiada e animada por Mário de Andrade e Antônio de Alcântara Machado por sua qualidade literária e veiculação de idéias.
  • REVISTA DE ANTROPOFAGIA, SP. Na primeira fase, 1928/29, 10 números, sob a direção de Antônio de Alcântara Machado e gerência de Raul Bopp. Na segunda fase, (ou segunda dentição, conforme seus editores) 1929, 15 números, desta vez transformada em uma página encartada no Suplemento Literário do Diário de São Paulo, dirigida por Raul Bopp e Osvaldo Costa, e com Oswald de Andrade tramando nos bastidores, fazendo barulho e intrigas, mas também colaborando muito, na pele de muitos pseudônimos.
  • REVISTA NOVA, SP, 1931/32, 10 números em 8 fascículos, dirigida pôr Paulo Prado, Mário de Andrade e Antônio de Alcântara Machado. Segundo o próprio Mário de Andrade, publicou "pouca literatura, pelo menos literatura gratuita. Muita crítica e muitos estudos de qualquer ordem que tenham imediata correlação com o Brasil".

Todas essas revistas são verdadeiras raridades bibliográficas e algumas delas sequer são encontradas nas nossas melhores bibliotecas públicas. Graças ao empenho do empresário e bibliófilo José Mindlin, homem apaixonado por livros e dedicado desde sempre ao trabalho em prol do resgate da nossa história literária, algumas dessas revistas foram republicadas em edições fac-similares, patrocinadas pela empresa Metal Leve (A Revista, Revista de Antropofagia e Verde) propiciando a inúmeros estudiosos o contato com essas publicações. Decorridos, porém, 20 anos de sua publicação, também já se tornaram raras.

Num ensaio publicado na edição fac-similar de A Revista, a prof. Cecília de Lara, menciona o aparecimento da revista Terra Roxa e outras terras, de SP, também dirigida pelo incansável Antônio de Alcantara Machado e A. C. Couto de Barros, no momento em que o último número de A Revista era publicado, em janeiro de 1926. Terra Roxa, de acordo com a professora, tinha uma postura marcadamente nacionalista, via a imigração como ameaça à cultura brasileira em formação.

Seria exaustivo e difícil relacionar todos os títulos de revistas publicadas na primeira metade deste século, principalmente pelo limitado espaço da revista. Nenhuma delas, entretanto, pelo menos naquilo que é do nosso conhecimento, atingiu a importância das já citadas. Nelson Humberto Werneck, por exemplo, em O Desatino da Rapaziada (Cia. Das Letras, 1992), menciona a existência de Electrica, surgida em 1927, no Sul de Minas, antes, portanto, de Verde, editada pôr Heitor Alves. De acordo com Werneck, essa publicação teve o mérito de colocar a pequena cidade de Itanhandu no mapa da literatura brasileira da época mas não teve a importância da também mineira e interiorana Verde, de Cataguases.

O CONTO E A LITERATURA MARGINAL EM REVISTA – década de 70

Outro período fértil na história das revistas literárias pode ser verificado nas década de 70, quando circulou por todo o Brasil uma enorme quantidade de títulos que, pelas circunstâncias políticas brasileiras, representaram uma verdadeira forma de resistência cultural.

Ao lado de centenas de pequenas publicações, algumas em sistema de mimeógrafo e xerox, circulavam revistas criativas ou sofisticadas, do porte de Construtura (Curitiba), Ficção (RJ), Símbolo, Escrita e Almanaque (SP), O Saco (Fortaleza), Cultura e Tempo (Recife) entre outras. Apesar do conteúdo marcadamente político de algumas revistas dos anos 70, a literatura ocupava o maior espaço nessas publicações.

O gênero conto estava em moda e as revistas contribuiram, bem como o surgimento de inúmeros Suplementos Literários de qualidade, como Minas Gerais, Tribuna e Jornal do Brasil (RJ) Correio do Povo (P.Alegre), Cinco de Março (Goiânia), O Estado de S.Paulo, entre outros, para difundir essa produção. A poesia, como não poderia deixar de ser, continuou utilizando as revistas como o seu grande veículo de divulgação.

DECLÍNIO E RESSURGIMENTO

Após um acentuado declínio das revistas literárias, que vai da década de 80 até meados de 90, uma nova etapa parece ser inaugurada. Contrariamente à década de 70, quando a maioria das publicações procurou se especializar num determinado segmento artístico ou posição político-ideológica, a tendência atual revela-se mais abrangente, contemplando, na mesma publicação, todas as áreas de expressão artística, como nas excelentes Bravo, Cult e Caros Amigos, além de um ressurgimento da crítica e do ensaio, fora do âmbito acadêmico, refletindo as grandes questões da sociedade neste final de século. Verdadeiras revistas de cultura, no seu sentido mais amplo, como pretendiam aquelas do final do século passado. Mesmo publicações assumidamente literárias, como A Cigarra e Monturo, abrem espaço em suas páginas para as artes visuais, como o fez a Klaxon publicando trabalhos (não confundir com ilustrações, mas desenhos extratexto) de nada menos do que Brecheret, Di Cavalcanti, Anita Malfati e Tarsila do Amaral.

Pôr último, mas não menos importante, registramos uma novidade em matéria de revista, PULSAR, Uma Revista de Cultura, que nos chega do Piauí – isso mesmo, do Piauí, a provar que a seca, apesar de assim parecer o desejo de muitos políticos, ainda não atingiu os cérebros dos nordestinos – e, já no subtítulo, mostra essa tendência da abrangência. Desde o projeto gráfico aos textos, a qualidade da revista é inegável. Para quem quiser conferir: Caixa Postal 06, Cep 64001-970, Teresina, PI.

E ficamos por aqui porque, pela frequência com que novos títulos estão aparecendo, é bem capaz que tenhamos de aumentar o espaço para novos registros.

Bibliografia:

- Doyle, Plinio - História de Revistas e Jornais Literários

Ministério da Educação e Cultura/Fundação Casa de Rui Barbosa, RJ, 1976

- Coelho, Jacinto do Prado - Dicionário das Literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira

Livraria Figueirinhas, Porto, Portugal, 1960

- Moisés, Massaud e José Paulo Paes (org.) Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira

Ed. Cultrix, SP, 1987

- Broca, Brito – A Vida Literária no Brasil - 1900

RJ, 1956

- Machado Neto, A.L. - Estrutura Social da República das Letras (Sociologia da Vida

Intelectual Brasileira – 1870-1930) Ed. Da Universidade de S.Paulo, 1973

- A Revista, Edição fac-similar (Metal Leve), SP, 1978

- Verde, Edição fac-similar (Metal Leve), SP, 1978

- Revista de Antropofagia, Edição fac-similar (Metal Leve), SP, 1978

(originalmente publicado em Viaverbo. Ampliado, foi publicado na revista A Cigarra no. 33, S.André, SP, 1998, editada por Jurema Barreto de Souza). Serviu também de roteiro para palestra proferida na Semana de Letras da Faculdade de Letras da Fundação Santo André em Setembro de 1998). 

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