DAlila Teles Veras

 

SOLILÓQUIOS

Para Valdecirio, colecionador de silêncios

..Reconheçamos que costuma ser escassa nossa aptidão

 para suportar o silêncio proposto

pelo poema – o silêncio gerado pelo real incógnito.

Santiago Kovadloff

 

 

PALAVRA E MISTÉRIO

Só uso a palavra para compor meus silêncios

Manoel de Barros

 

(

 

 

                        )

Além do mais

sabe-se

os mistérios residem

tão-somente

nas coisas inauditas

 
 
   
 
O COLECIONADOR

 

Cultivava silêncios

breves semibreves longos

(guardava-se?)

 
 

 

SOLILÓQUIOS

 

 

De tanto ficar consigo

dispensou as palavras

 

Bastavam-lhe os gestos

(batuta invisível)

a orquestrar o silêncio

 
 

 

NO JARDIM

 

 

Na densa tarde

de quietude mais

os amados silenciam

 

Suspeitam

da impossibilidade de um bis

(jamais alguém se banha na mesma luz)

 

Um pássaro descuidado

passa e canta

a dizer que viu

 
 

 

MADRUGADA

 

 

Brusco

um automóvel

freia, o silêncio

volta, o sono não

 

A noite outra noite

 

 

 

O SILÊNCIO DOS ESPELHOS

                           (lembrando Borges)

 

 

Nus e silêncios

coabitam meus espelhos

 

(mergulho

e

espanto)

 

abismos refletidos

nova e (irre)conhecida

história

 

 

 

 DO AMOR E SEUS SILÊNCIOS

 

 

No destempero e ardências

da fúria inaugural

a palavra sem proveito

(verbalização de corpos)

 

No rito já maturado

do caminho reconhecido

a muda comunhão

(frêmito de carne e espírito)

 

Urgências mitigadas

os silêncios primordiais

já agora interpretáveis

(epifania outonal)

 
 

 

AUSÊNCIA

 

 

Nesta manhã

onde nem sequer

um grito

o silêncio deixado

por outro silêncio

é silêncio

ainda mais

 

O dia à frente

:

intransponível

 
 

 

NO SEBO

 

 

Baço e poeirento

o silêncio habita

as salas foscas por

onde passeiam traças com

seus olhos de gula e

desejos de posse

à caça do brilho oculto

da pepita encadernada

 

No campo sagrado, os pares

ignoram-se (cúmplices/rivais)

tácito acordo

cada um por si e ninguém

por ninguém

 

Enfim, o achado

(dissimulando a gagueira)

entre dentes, negociado

 

 

 

NO MUSEU

 

O encordoamento da memória só pode ser retesado 

onde haja silêncio

George Steiner

 

 

Para ver

calar

(ocultos sentidos

a preencher sobressaltos)

 

Para ouvir

calar

(perturbadoras vozes

coladas às telas

- ruídos da memória)

 

Para guardar

calar

(outra beleza

ainda não catalogada)

 

 

 

NEOGÊNESIS INTERIOR

O silêncio é. Ele significa

Eni Puccinelli Orlandi

 

 

No princípio era

o verbo indomável

idéias sem lei

(ilusão de saber

no não-saber)

 

Fez-se o silêncio

tardio, imperioso

única saída

(reverência

ecos primordiais)

 

E houve luz

e o universo se reorganizou

(anima em regozijo)

 

 

 

PERGUNTA INDECISA À MINHA MÃE

 

 

Haverá

,

para além deste

silêncio

,

para além desta

morada fria, ornada

de flores de plástico

,

...

?

Haverá?

 

 

 

Tiragem de

200 exemplares

numerados e rubricados

pela autora

 

2005

 

 

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