DAlila Teles Veras

 

As Artes do Ofício - um olhar sobre o ABC

  

As Artes do Ofício – Um olhar sobre o ABC

 Luís Alberto de Abreu

 “Um título não é mais que a obra que ele inicia e, com isso, quero dizer que um título, por mais amplo que seja, não consegue dar conta da obra. É como a moldura de uma grande pintura. Por mais rica, por mais artesanal e preciosamente ornamentada que seja, não consegue conter em si a obra que circunscreve: a obra se expande além da moldura, captura e aprisiona nosso olhar, nossa atenção e eis-nos irremediavelmente atraídos e imersos na obra. Foi a sensação/revelação que tive ao ler “Um Olhar Sobre o ABC”, de Dalila Teles Veras. O título não é mais que um código de acesso porque os olhares são múltiplos e o ABC, de sigla, de região geográfica, de conjunto de unidades administrativas, expande-se, transfigura-se, transforma-se em universo de exploração, relato, crítica e poesia nas crônicas semanais de Dalila. Uma outra revelação é que a leitura das crônicas organizadas em livro ganha um nexo diferente, agrega uma outra consistência, desvela, através de suas inúmeras e pequenas unidades, uma outra unidade, maior, mais alentada, que nos faz pensar que as crônicas foram especialmente escritas para transformarem-se  livro. Essa impressão, creio, poderá ser explicada, ou melhor, deverá ser buscada no perfil da própria autora. Dalila é uma criadora admirável. E bastaria, para firmar e justificar essa admiração, suas qualidades de poeta de primeira linha evidenciadas com exuberância em “A Palavraparte”. Mas  Dalila vai além da imagem muito grata ao Romantismo, e muito cara à maioria de nossos intelectuais e artistas, que é a do autor uno, envolvido unicamente com a própria expressão artística. Dalila é uma criadora contemporânea e, como tal, múltipla. Envolvida com as várias funções  que os tempos atuais impõem ao criador, Dalila se revela ora a crítica severa, irônica e mordaz, principalmente no que se refere ao tratamento que o poder público reserva à cultura; ora a incentivadora atenta ao surgimento de novos artistas; ora a intelectual que reflete com precisão; ora a repórter que mapeia com olhar privilegiado a produção artística de toda a região. Digo um olhar privilegiado porque é o olhar de alguém atento, interessado, que pára e revela o que nossos olhos apressados passaram sem perceber. Dalila é uma criadora que não se nega a nenhum envolvimento, a nenhuma crítica, a nenhuma atenção generosa. Depois da construção desse espaço concreto do trabalho chamado ABC, impõe-se o desafio da construção de seu espelho transfigurador, o ABC do Pensamento e do Espírito. Nessa construção Dalila Teles Veras é, ao mesmo tempo, uma referencia e um dos pilares.

Um olhar sobre o ABC é mais do que seu próprio título. Assim como Dalila é mais do que o nome que a identifica”.

Luís Alberto de Abreu, dramaturgo

 

 

Um Olhar sobre o ABC e seu Imaginário

            Rosana Chrispim

                       

Poucos universos são tão amplos e, ao mesmo tempo, tão localizados e regionais como o encontrado neste As Artes do Ofício- um olhar sobre o ABC, de Dalila Teles Veras. É impossível não recorrer a Fernando Pessoa: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,/Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.”, para ilustrar/exemplificar a tônica desta oportuníssima coleção de crônicas. Antes de mais nada, elas são o registro histórico de situações, momentos, fatos e (des)aconteci-mentos relacionados à vida das cidades da região do Grande ABC, que muitas vezes passam despercebidos à grande maioria das pessoas, que ou não se identificam com a cidade em que vivem e ignoram o que se passa à sua volta ou renegam a produção da sua aldeia. O que é produzido localmente quase sempre é visto com preconceito e desvalorizado por não vir dos grandes centros. O que equivale dizer que o “biscoito fino” que se produz na região nem sempre serve ao “gosto” de quem a ela pertence, seja por necessidade de trabalho ou de moradia. Por outro lado, quase nunca se implementaram políticas culturais suficientemente consistentes que suplantassem a Indústria Cultural, a superficialidade e valorizassem, com isso, a produção local.

As Artes do Ofício tem, como mote, não só o que é feito no grande ABC, mas também a intercambialidade com o que vem de fora, com as várias manifestações da cultura, da política e das sociedades. As crônicas reunidas neste livro, como bem o diz Luís Alberto de Abreu, nos fazem “pensar que foram especialmente escritas para transformarem-se em livro.” porque a atividade de Dalila se permeia de um olhar atento, interessado e informado que faz com que a sua crítica, mesmo a mais ferrenha, seja construtiva sempre, ao acenar sempre com alternativas que, invariavelmente, buscam e contemplam o coletivo.  

Assim é que se envolveu com a cidade e a região de uma tal forma que, hoje, é impossível desvincular de qualquer discussão séria o seu nome. Poeta, ela não se restringe à literatura, ao fazer individual. Pelo contrário, é o coletivo sua grande motivação, é o abrir horizontes, isto é, formar uma comunidade que ao mesmo tempo que consome produz, se multiplica e aprimora os meios e os fins.

            Há toda uma doação e algumas cumplicidades articuladas em torno da sua competência em perceber as diversas manifestações culturais à sua volta, apontando e mapeando o que de bom a região tem nesse sentido.

Não se trata de um tratado. É, antes, um esboço (des)pretensioso feito por traços de uma prática constante de observação, reflexão e anotação do imaginário(?) da cidade. O imaginário que se desdobra e se expõe nas suas crônicas, provoca, mesmo, algo como uma catarse, na medida em que se posiciona firme e contundentemente (como só o pode ser quem é Poeta) pelo interesse comum e promove uma reflexão maior sobre os bens culturais que são, de uma forma ou outra, escamoteados da grande maioria da população.

 

Rosana Chrispim, poeta e produtora gráfica

 

 
   

Lentes Atentas

           Fabiano Calixto  

            As Artes do Ofício - um olhar sobre o ABC é o novo livro da poeta, ensaísta e agitadora cultural Dalila Teles Veras. Mais um livro onde a região é vista por olhos críticos e pertinentes, por uma pessoa que está interessada pelos agitos dos produtores de arte do ABC paulista.

            O livro se divide em quatro seções: "Livros e Literatura", "Artes", "Políticas Públicas da Cultura" e "Olhares (des)Comprometidos". Em caa uma dessa seções, as personagens tomam forma, cada qual com seu papel nesse teatro da vida quotidiana e artística na região - região, aliás, onde Pelé fez seu primeiro gol, quando ainda se chamava, dizem os cronistas da época, Gasolina.

            Este livro, mais que a importância literária (esta, já garantida por razões que me parecem óbvias), tem um valor documentário, é um instrumento de pesquisa, trabalho que poucos estão aptos (e com vontade0 para fazer, pois, ainda assim, as pessoas tendem a tentar fazer brilhar sua própria pessoa, o "eu" acima de tudo. Coisa que não ocorre no livro de Dalila.

            Numa discussão mais ampla, As Artes do Ofício seria digerido por quem está, conscientemente, interessado em conhecer um pouco mais da história das artes (todas!) dentro dos sete municípios que vagam aqui e ali dentro das crônicas dalilianas, no período em que foram escritas. Na grande maioria das vezes só se lembra dessas pessoas que fazem arte no ABC quando elas estão sendo reconhecidas em outros grandes centros, quando atingem um, digamos, sucesso de crítica ou público.

            Textos como "Um gesto pela paz", "Vale Vivo, ABC Apático", "Sinais de terra", entre outros, já valem a pena. A leitura flui leve e solta, deixando aquela vontade de repetir. Um livro que nunca acaba. Felizmente.

            Enfim, As Artes do Ofício é uma amostra de paixão pelo que ocorre no meio artístico desta região que, por vezes, insossa, outras explosiva, tem artistas de nível nacional.

            As Artes do Ofício: um olhar sobre o horizonte criativo.

 

(In Jornal Tribuna Popular, Santo André, julho de 2000)

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