DAlila Teles Veras

 

A VIDA CRÔNICA

I - Pessoas, coisas, dias - Tarso de Melo

 
   

II - Em Torno de um livro de crônica  - Caio Porfírio Carneiro

 
   

III - Poeta Crônica  - Fabiano Calixto

 
   

  PESSOAS, COISAS, DIAS

Tarso de Melo

Tanto se ouve a voz de Dalila Teles Veras em A Vida Crônica que esse volume seria um disco se não fosse um álbum de fotografias – instantânea e panorâmica escrita por onde passeiam culturas, políticas, problemas, soluções, que a poeta nos oferece, às quartas e há tempos, em sua coluna semanal no Diário do Grande ABC, a dissonante Viaverbo que, numa ou noutra página do caderno, cumpre romper-lhe a atmosfera.

Há, eu sei, quem, de tão envolvido pelo enredo dessas crônicas semanais, esqueça do tempo que as separa, e siga lendo como se todas num só volume. Aos que não, vêm juntas cinqüenta delas nesse lançamento das Edições Alpharrabio, e, se agora não sujam os dedos de quem lê, grudam na memória uma história de nossa cultura, relatada com lirismo e precisão – até onde essas características não maculem uma a outra.

Em suas crônicas, Dalila cita e recita a literatura que a instiga (até mesmo, e porque não?, a si mesma), a torto e a direito, mesmo quando (ou até porque) o mote é a violência banalizada pela televisão ou os insucessos de quem ainda se incomoda com artes nesse mundo. E, também por isso, é disparate, caro leitor, que as lê semanalmente, desprezar o novo sentido que lhes dá a seleção/reunião num delicado e cuidado exemplar.

Desde o título, o recurso à acepção adjetiva da palavra “crônica”, além de qualquer trocadilho, é a maneira encontrada por Dalila para ilustrar sua própria vida: narração histórica e fixação. Dalila observa o tempo nas coisas, e não se fixa por buscar estabilidade, mas para defender-se dos sinais do tempo e, a um só passo alheia e enraizada, descrevê-los, como: “Enquanto aguardo 1998, observo os corpos na praia da mesma forma como passeio o olhar pelo poema no espaço da página”. Está aqui a poeta Dalila, e com ela o tempo, o espaço, passeios, corpos, poemas, páginas.

Não se despreze, todavia, em nome da beleza, o serviço prestado pela Viaverbo – e não é exatamente dela que falo aqui. A discussão, ali, sem muita cerimônia, de tantas questões culturais é, sem dúvida, um dos maiores méritos desses já quase duzentos textos e o maior motivo, em minha opinião, para que se aplauda esse A Vida Crônica, pelo que tem de sério e cômico, pelo que aceita e rejeita, pelo que dá de soco e beijo.

Um livro desses, receptáculo do que não coube nos poemas nem na pessoa da autora, é um alento. Entusiasma pela liberdade com que anda por entre pessoas, coisas, dias. Entusiasma saber que Dalila, neste momento, faz lá suas anotações, armando, quarta a quarta, um inevitável e imprevisível segundo volume. A crônica, sim, lhe é crônica.

 

Tarso de Melo é editor da revista Monturo, autor dos poemas de Mimos mínimos (1997) e A lapso e Carbono. Colaborou com Régis Bonvicino na organização de Envie meu dicionário – cartas e alguma crítica (1999).  

 

 

 

 
   

EM TORNO DE UM LIVRO DE CRÔNICAS

Caio Porfírio Carneiro

Discute-se a vida inteira e se discutirá tempo em fora, desde que crônica é crônica, se a dita é ou não gênero literário. Por ser quase sempre ligeira, nascida quanta vez de assuntos circunstanciais, do dia-a-dia, fica a impressão primeira de que ela se vai com o vento, que tudo muda e muda rapidamente. Há, no entanto, o reverso da medalha. Quanto cronista tornou e torna o corriqueiro vívido e lhe continua dando força de perenidade... As crônicas de Mestre Machado fotografaram para a posteridade a vida pulsante e o comportamento do homem e da sociedade do seu tempo. Vários os bons cronistas que registraram a face doída, sofrida, conflituada e até com instantes de felicidades, deste século que levou consigo sua mortiça luz.

(...)

Vêm-me à lembrança essas discussões cediças, mais velhas do que a Serra do Coco, lendo e devorando A Vida Crônica, de Dalila Teles Veras (Ed. Alpharrabio, 1999). Além de poeta de perfil nobre, senhora do valor totalizante da palavra, consegue ela, por isto mesmo, dar à palavra vôos amplos, para além, muito além do seu significado intrínseco, sem cair na metáfora despistante. Assim, na palavra, assim nos versos, que alçam os seus poemas a uma cosmovisão ampla, partindo sempre do núcleo redutor da criação poética curta. É que ela conhece de perto o germe: a palavra.

E agora ela nos entrega esta seleção de crônicas, extraídas dentre tantas outras publicadas no jornal Diário do Grande ABC, em Santo André, SP, entre 1995 e 1999. O que há de novo ou diferente nestas peças curtas? Registro de assunto do momento, alguma reminiscência, paisagem vista da sua ponte ou de viagem, sopro literário marcante ao longo de todo o livro? Uma variedade de temas, que a crônica, embora pequena, recebe tudo.

Não vou dizer, embora esteja dizendo, que são crônicas extremamente bem escritas. Mas vou dizer que o vértice da autora é veloz e apurado. Pouco vimos uma cronista dizer tanto, informar tanto, citar pessoas, livros, relembrar, elogiar e criticar, sair do instante bom duma praia e entrar por terreno de aparente aspereza literária, com tanta facilidade e excepcional senso de oportunidade como Dalila Teles Veras. É uma lançadeira, é um fuso rápido e elíptico, mas – o que é notável – sem nenhum atropelo, sem "encachoeirar" o tema. Tudo flui, inversamente, com enorme naturalidade.

Dalila inicia uma crônica despretensiosamente, como quem vai contar um fato banal qualquer, aproximando-se, à vezes, da reportagem pela abertura informativa. De repente, "mais que de repente", inesperadamente o assunto toma vulto, parece abrir-se em muitas pontas, quando exatamente não é isto. É que ela, talvez intuitivamente, busca a abrangência máxima, no processo narrativo, para expor a sua ótica e a sua opinião pessoal e crítica. O curioso é que ela nunca impõe. Difícil tomar um trabalho para exemplo. Apenas para não deixar de fazê-lo, temos aqui a crônica Assédio Sexual e Sacoleiros. Vem ao vivo, em lampejos continuados, uma série de verdades palpáveis deste velho mundo visual, consumidor, materialista e hipócrita. E a autora não faz nenhum comício para tanto.

Assim é em quaisquer destas curtas criações. De quem a culpa desta força narrativa? Da outra força, centrífuga e centrípeta – a palavra – que cai na sua frase com equilíbrio total de qualidade, que fertiliza aquilo que chamamos de estilo personalíssimo. Dispondo disto, como dispõe, caminha ela livremente da fotografia à constatação da verdade, do desenho poético ao bordejar da crítica e da denúncia, e que, em qualquer situação, sinaliza o seu como dizer àquela levitação criadora.

Este livro é arte literária? É só lê-lo e verificar.

in "Correio das Artes", João Pessoa – PB, Brasil e Linguagem Viva, SP, janeiro de 2000

 

 

 

 
   

POETA CRÔNICA

Fabiano Calixto

Dizem por aí que a crônica dá cólicas. Em parte é a mais pura verdade. A crônica é um gênero amaldiçoado (análogo à profissão de goleiro) e por isso poucos consegue  criar uma crônica que proporcione ao leitor algum tipo de prazer. Ainda mais raro são os que escrevem um livro todo recheado desse tipo de trabalho. Algumas raridades: Fernando Sabino, Rubem Braga, Stanislaw Ponte Preta, entre outros. E não só da prosa vêm os bons cronistas, Carlos Drummond de Andrade, um dos grandes poetas da língua, escreveu muitas crônicas e até mesmo o poeta concreto Décio Pignatari se aventurou pelas formas dessa musa (ou seria bruxa?) com seu livro de crônicas políticas Pobre Brasil de 1988. Como se pode ver, tem que ter pegada forte, senão é cólica na certa.

O novo livro da poeta Dalila Teles Veras, A Vida Crônica (Alpharrabio Edições, 1999) é um livro de crônicas poroso e entra no time dos bons livros do gênero. O livro é composto por 50 crônicas, escolhidas dentre 200 escritas semanalmente no jornal Diário do Grande ABC de 1995 a 1999. Depois de um belo livro de prosas poéticas, A Palavraparte, 1996 - a escritora brinda seus leitores com um livro de crônicas inundado por poesia e aí é que mora toda a aurora do livro.

Os textos viajam, os assuntos são vários, o prazer é único. O destaque para aquela ou esta crônica seria injustiça, pois a poeta soube muito bem arrancar as cinquenta pérolas das duzentas ostras. Dalila descreve suas curtições, relata sua indignação, borda de paixão as cenas cotidianas, honra sua reputação de poeta.

Enfim, a Vida Crônica é um desses livros que devem ser lidos, apreciados, devorados. Um desses livros em que a palavra, a Língua Portuguesa, essa monumental e fundamental riqueza da humanidade, é trata com requinte e isso num país como o nosso que não dá o mínimo valor à sua língua, é grandioso.

in Linguagem Viva, fevereiro de 2001

 

 

 

 
   

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