DAlila Teles Veras

Entrevistas

Entrevista concedida a Selmo Vasconcellos, publicada no portal http://www.selmovasconcellos.com.br/colunas/entrevistas/dalila-teles-veras-entrevista-no-584/


SELMO VASCONCELLOS -  Quais as suas outras atividades, além de escrever?

DALILA TELES VERAS - Dirijo, desde 1992, em Santo André, SP, a Alpharrabio, Livraria e Espaço Cultural com intensa e ininterrupta atividade (www.alpharrabio.com.br) voltada à divulgação e o fomento artístico, bem como ao debate cultural. Coordeno, desde 2007, o Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande ABC, que tem o objetivo de criar um processo participativo e crítico das políticas públicas da cultura e da ação cultural integrada na região do ABC, SP.

SELMO VASCONCELLOS - Como surgiu seu interesse literário?

DALILA TELES VERAS - Meu interesse literário surgiu naturalmente da leitura. Frequentei o curso primário em Portugal e não me lembro de ter lido nenhum da hoje chamada "literatura infanto-juvenil". Tão logo me alfabetizei, lia os clássicos portugueses, principalmente os poetas, que declamava nas festas escolares, com entusiasmo e devoção. Talvez venha daí o meu interesse. Não existe um escritor sem, antes, existir um bom leitor. Acredito que fui/sou uma boa leitora.

SELMO VASCONCELLOS - Quantos e quais os seus livros publicados?

DALILA TELES VERAS - A lista é extensa, já ultrapassa as duas dezenas. Ainda que tenha publicado livros de crônicas e ensaios, minha expressão principal é a poesia. Nesse gênero, publiquei 14 livros, dos quais eu destacaria À Janela dos Dias – poesia quase toda (Alpharrabio Edições, 2002), livro que marca os meus 20 anos de publicação literária,  Retratos Falhados (Coleção Ponte Velha, Ed. Escrituras, SP 2008) e Estranhas formas de vida (Dobra Editorial/Alpharrabio, SP, 2013). Tenho "no forno" um novo livro, a sair brevemente pela Dobra Editorial/Alpharrabio, "Solidões da memória".

SELMO VASCONCELLOS - Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz(es) de produzir poesias?

DALILA TELES VERAS - Minha poesia é marcadamente urbana, ou seja, sou uma poeta contaminada pelo "real" por mais que esse real nos pareça inverossível. Os problemas do próximo, as mazelas sociais, as contradições das grandes cidades estão muito presentes na poesia que pratico. Por convicções humanistas, não consigo ficar indiferente a esses cutucões que me atingem diuturnamente. Filiei-me a uma corrente poética que, no dizer de Gastão Cruz, poeta e crítico português de quem sou leitora, mantém uma "consciência linguística vigilante, ou seja, persigo a concisão, que só é atingida por essa "vigilância" permanente, a palavra domada. A memória e a identidade, com frequência, também são matéria para minha poesia.

SELMO VASCONCELLOS - Quais os escritores que você admira?

DALILA TELES VERAS - São incontáveis, inclusive meus contemporâneos. Ficaria, entretanto, apenas com os poetas e com aqueles que já não estão entre nós, mas que sigo relendo sempre com renovado interesse: Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto, trio imbatível e insubstituível que junta-se a Oswald de Andrade, José Paulo Paes, Murilo Mendes, Cecília Meireles e Orides Fontela. Dos portugueses: Camões, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade, Alexandre O´Neil, Manuel António Pina, Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge, Ruy Belo e dezenas de outros, vívissimos e atuantes.

SELMO VASCONCELLOS - Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas?

DALILA TELES VERAS - Leia, leia, leia. Depois, leia um pouco mais.

Poemas de Dalila Teles Veras:

 

pontes

viaduto por cima de viaduto, pontes entre pontos, teia de concreto a conduzir progresso e abrigar misérias. idas e vindas, permutas e velocidade a esconder a escória. por cima o automóvel e o céu (ouro a fulgir),  por baixo a cidade, o homem e o seu inferno (cheiro de enxofre e urina) tempo antevisto, passantes de rastros, vermes rejeitados, condenados ao chão da selva escura, na eterna dúvida em ser homem ou sombra, mas sem um só poeta como guia. da pinguela à passarela, da ponte ao viaduto, do propósito da passagem à condição de estar por baixo, o homem, excluído dos outros homens, o homem e seus próprios excrementos, o homem, via única de incomunicabilidade e danação

 

becos

quem tem caminho reto não se mete em vereda, aconselhava-me a mãe, o medo do sobressalto a escorrer do afeto, sem saber que as descobertas se revelam apenas no entrecruzar do caminho e a conquista à saída do labirinto

os becos e seus inocentes nomes de santos não atendem à demanda de mercado,  insignificantes artérias esquecidas, deixam que a cidade cresça ao seu redor e ficam ali, pulsantes e vingados, tênues  sopros de resistência e muda contestação, negação ao gigantismo, sedução para o não cumprimento do conselho

 

as faxineiras do edifício

surpreendentemente

(não obstante os dez mil, quatrocentos e trinta e um degraus, os oito mil, trezentos e vinte metros quadrados de piso, as quatrocentas e quinze vidraças e as três toneladas de lixo à espera de varrição, transporte e limpeza)

cantam...

 

identidades

       “Com meus sonhos de menina"
            
Triste Sina, Jerónimo Bragança / Nóbrega e Souza

 

quinze anos e dúvidas

(para além das usuais)

a menina

com duas mães, cresceu

biológica, uma

(que a gerou, pariu e amamentou)

companheira da mãe, a outra

 

a mãe que a gerou, pariu e amamentou

mudou de gênero e identidade. a

menina passou a chamá-la de pai

(volta e meia, ainda lhe escapa um

mãeeeê!...)

 

vidas falseadas

      “Ao nascer trouxe uma estrela

      Nela o destino traçado

      Não foi desgraça trazê-la

      Desgraça é trazer o fado

             Não é desgraça ser pobre, Norberto Araújo

     

mal

decorriam os dias

conviventes em desamorosa

miséria

mal

sucediam as noites

nos corpos jovens, na

tenra vida em comum

(sonhos desfeitos em

mal contidos silêncios)

 

como salvar o que perdido está?

como legitimar o que falseado já era?

 

(um bebê! convite à salvação...)

barriga postiça, plano engendrado

inscreveu-se no corpo de voluntárias

 

na tarde plácida

ao colo da falsa mãe

sai do abrigo o menino

(filho do infortúnio

refém de seu próprio fado)

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