DAlila Teles Veras

Entrevistas


Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão, para a revista virtual PD Literatura,  número de setembro de 2002, a propósito do lançamento do livro À Janela dos Dias e do atual movimento literário em Santo André. 

 


DALILA TELES VERAS é portuguesa, nascida no Funchal, Ilha da Madeira (1946), residente no Brasil desde 1957. Animadora cultural, organiza cursos, seminários e congressos, participou de dezenas de concursos literários, como organizadora e integrante do júri.

Participou como convidada da UNESCO, do Colóquio Imprensa de Língua Portuguesa no Mundo, realizado em junho de 1991, em Paris, com a comunicação "A Imprensa Alternativa no Brasil como resistência cultural".

Fundou o Grupo Livrespaço de Poesia, que desenvolveu intensa atividade cultural, de 1982 a 1993, publicando livros, promovendo oficinas, recitais e semanas culturais. Foi uma das editoras da revista literária, trimestral, LIVRESPAÇO, que circulou nacional e internacionalmente de 1992 a 1994, e ganhou o prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), 1993.

Coordenou dezenas de oficinas, entre as quais, na Oficina da Palavra, Casa Mário de Andrade, SP. Participou do Projeto "O Escritor nas Bibliotecas" (1993/1994) da Secretaria Municipal de Cultura de S.Paulo.

Diretora e Secretária Geral da União Brasileira de Escritores (SP) por três gestões — 1986/88, 1990/92 e 1994/96 — como Secretária do Conselho daquela entidade. Eleita "Intelectual do Ano", 1997, no Prêmio Capital, instituído pelo Jornal cultural O Capital, de Aracaju – SE.

Desde 1992 é diretora-proprietária da Alpharrabio Livraria Espaço-Cultura, em Santo André, onde promove constante atividade voltada para a divulgação da cultura e das artes na região do Grande ABC, além da criação das Edições Alpharrabio, Editora que já publicou cerca de sessenta obras de autores regionais.

LIVROS PUBLICADOS 

Lições de Tempo (1982 e 2ª edição 1983, SP); Inventário Precoce (1983, SP); Madeira: do Vinho à Saudade (1989, Portugal e 2ª edição, 1997, SP); Elemento em Fúria (1989, Teresina); Forasteiros Registros Nordestinos, plaquete (1990, SP); A Palavraparte, pequenas prosas em poemas, (1996, SP); À Janela dos Dias - poesia quase toda (2002, SP) de poesia. A Vida Crônica (1999, SP) e As Artes do Ofício – Um Olhar sobre o ABC, ambos de crônicas; e Minudências, um diário literário do ano de 1999. Selecionou e prefaciou O Mistério da Casa Velha, contos, de Cora Coralina (Global Editora, SP – 1989).


PD - Como está a cena poética de Santo André?

DTV - A cena poética em Santo André vem mostrando uma inquestionável vitalidade desde o início dos anos 80, com a formação do Grupo Livrespaço e a publicação, em 92 e 93, da revista literária homônima, acrescida, nos últimos cinco anos, de jovens talentos, que vem sendo editados pela Alpharrabio Livraria e Editora. Além da Livrespaço, outras importantes revistas literárias, como Monturo, A Cigarra e a mais recente delas, a Cacto, também saíram de Santo André, uma cidade pertencente à região metropolitana que, infelizmente, por desconhecimento, ainda é vista por grande parte do Brasil, como "interior" de São Paulo ou, pior, apenas como uma região de vida operária, por conta do pioneirismo da indústria automobilística, que por aqui se instalou na década de 50. Entretanto, na esteira das grandes conquistas sociais saídas desta região, já podem ser registrados os avanços de uma literatura aqui produzida, que se insere e dialoga com a boa literatura nacional.

PD - Por que o poeta atual gosta de sublinhar que não pertence a nenhuma corrente literária?

DTV - Eu diria que essa insubordinação refere-se muito mais à rejeição de uma escola, grupo ou geração, do que propriamente a uma determinada "corrente literária" que, a meu ver, estaria representada numa afinação, inevitável diálogo com o seu próprio tempo. Alguma coisa mágica e planetária, que acaba por estabelecer um certo parentesco entre aqueles que estão preocupados em construir uma obra através da palavra escrita, seja lá qual for a língua em que se expressem, representada por uma espécie de marca comum do seu tempo, diferentemente da pasteurização que os estabelecimentos e rigores canônicos de determinados movimentos tentavam produzir como justificativas de modernidade

PD - Há epígrafes de Drummond e Cabral em seu livro. Qual influência sofre destes poetas?

DTV - Nenhuma ou as mesmas que sofri de todos os poetas com quem experimentei o sentimento de impacto, do soco no estômago, como Pessoa, Murilo, Bandeira, Jorge de Lima, Ferreira Gullar, Adélia, Hilda Hilst, Mário Faustino, Camões, Raul Bopp, Guimarães Rosa, Borges, só para citar aqueles que também homenageio no livro, em forma de epígrafe. Vozes dissonantes que antropofagicamente degluti, cânone pessoal, anárquico e polifônico.

PD - Qual a principal lição que o tempo dá para um poeta?

DTV - A da humildade. A da capacidade de perceber que a vaidade leva ao equívoco e à cegueira. A certeza de que nada se sabe e os caminhos (o poeta andaluz já sabia disso) se fazem ao andar.

PD - O que é o haicai para Dalila Teles Veras?

DTV - Uma forma epigramática de ver/olhar o mundo que representa pouco no conjunto de minha obra. Fiz algumas experimentações que denominei de "falsos haicais", justamente porque me falta (e, acredito, que à maioria dos ocidentais) o senso de contemplação e comunhão com a natureza, essenciais a essa forma de expressão poética. A velocidade da vida atual não é compatível com o haicai, apesar da aparência enganadora dessa (rápida?) forma de poesia.

PD - Por que reuniu a sua obra quase toda num livro?

DTV - A idéia da publicação de uma antologia surgiu como forma de comemorar os vinte anos da publicação do primeiro livro, Lições de Tempo, resgatando poemas que foram publicados em livros de tiragens reduzidas, além de boa parte de minha produção poética que estava fora desses livros, espalhada por jornais e revistas literárias. Porém, quando iniciei o trabalho de seleção, dei-me conta de que o exercício destas duas décadas operara transformações na forma do meu fazer poético e não resisti à tentação de, ao invés de simplesmente selecionar os poemas "preferidos", reescrever os "preteridos", principalmente aqueles dos primeiros três livros, mostrando, dessa forma, algumas possibilidades dessas transformações, nas quais foram experimentadas outras dicções de linguagem. No decorrer do percurso da reescrita, comecei a desejar que o resultado dessa reunião, não fosse o de uma antologia, mas de um livro verdadeiramente novo, com uma certa unidade de linguagem e que provocasse uma nova leitura. Tentei transformar esse conjunto numa espécie de síntese daquilo que desejei dizer ao longo dessas duas décadas de publicação literária. Espero que o tenha conseguido. Tudo aquilo que ficou de fora, deve permanecer de fora.

PD - Você gosta de um mote? Qual a sua epígrafe predileta?

DTV - Nenhum em especial. Recebo cutucões e os transformo em palavra. A minha epígrafe predileta é sempre a da minha próxima leitura.

PD - Qual uso faz da internet? O e-book substitui o livro?

DTV - A internet me serve apenas como meio de comunicação. O livro, no formato como o conhecemos desde Gutemberg, com páginas, capa, lombada, com seu cheiro de tinta e manuseio, impressões digitais, marcas do corpo que o manuseou, e também como objeto de formação, conhecimento, sabedoria, é insubstituível. O e-book é apenas uma novidade eletrônica, uma outra opção de suporte. Uma forma, portanto, não exclui a outra.

PD - A poesia serve para alguma coisa?

DTV - Para nada, além de tornar o homem um pouco mais humano.

PD - Quem é o escritor brasileiro? Ele deve ter alguma função social e política? Deveria ter?

DTV - O escritor brasileiro é o que todo escritor é, independentemente do país de sua origem: se genial (e, como sabemos, gênios são raros), ficará para o patrimônio da humanidade; se bom (e há muitos e bons e criativos escritores brasileiros) contribuirá para a formação do grande bolo da literatura de seu país que, no seu conjunto, não é formada apenas de gênios, mas de artífices tocados por algo indefinível, meio mágico, que é o que diferencia o bom do medíocre. O produto de um escritor, ou seja, a sua escritura, não deve ter uma função social específica, mas o escritor, enquanto homem, sim, pois é um ser social e, como tal, tem uma função que é a de comprometimento com o seu meio sócio-político-cultural, um papel que vai além do papel e do que nele está escrito, a obrigação de agir como cidadão. Esse papel, acredito, não admite alienação nem omissão.

ENTREVISTAs

índice / Poesia /Cronologia  / Fotografias